Mensagem da Direção Artística

Alexandre Delgado e Rui Morais

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Shakespeare 400 Anos
O brave new world,
That has such people in’t!
Oh, admirável mundo novo,
Que tal gente tem!
— William Shakespeare, A Tempestade, Ato V, Cena I

A 24.ª edição do Cistermúsica assinala os 400 anos da morte de William Shakespeare e adota como lema a alusão deste ao “admirável mundo novo” que portugueses e espanhóis mostraram ao mundo, frase que — antes de servir de título à célebre novela futurística de Aldous Huxley — é pronunciada por Miranda em A Tempestade.

Mas se há peça de Shakespeare que tem especialmente a ver com a terra onde estão sepultados Pedro e Inês, é Romeu e Julieta; por isso lhe são dedicados os concertos de abertura e de encerramento. A abrir o Cistermúsica, a Orquestra e Coro da Academia de Música de Alcobaça, em coprodução com a OperaTellers, apresentam a ópera Roméo et Juliette de Gounod, numa versão encenada por Carlos Antunes e com narração da atriz Filomena Gonçalves, num espetáculo pensado para toda a família. A encerrar, a recém criada Orquestra Euro-Atlântica, dirigida por Osvaldo Ferreira, interpreta a abertura Romeu e Julieta de Tchaikovski e a 2.ª suite do bailado homónimo de Prokofiev, num programa que culmina com uma das obras mais populares de todo o reportório sinfónico: a Sinfonia do Novo Mundo de Dvořák.

Outra ópera, essa oriunda (e emblemática) no novo mundo, é Porgy and Bess de George Gershwin. Sob a direção do seu maestro titular Rui Carreira, a excelente Banda Sinfónica de Alcobaça apresentará a suite que Gershwin compôs com base nesta famosa ópera, Catfish Row, num programa que inclui ainda música de Leonard Bernstein: a abertura de Candide e as danças sinfónicas de West Side Story, musical inspirado precisamente em Romeu e Julieta.

Numa programação que tem o luxo de incluir dois concertos sinfónicos, ouviremos o glamoroso e cinematográfico concerto para violino de Korngold e a mais clássica e popular sinfonia de Chostakovich interpretadas pela Orquestra Estágio Gulbenkian, dirigida pela maestrina Joana Carneiro e com a participação da grande violinista Chloë Hanslip, com um programa que contrapõe os Estados Unidos da América e a União Soviética no seu melhor.

Ainda em torno de Shakespeare, a cena do túmulo de Romeu e Julieta inspirou o Adagio do 1.º quarteto de cordas de Beethoven e esse foi o pretexto para convidar um dos mais reputados quartetos do mundo, o Henschel Quartett, que na sua primeira vinda a Portugal tocará também Mozart e Schulhoff. No âmbito da música portuguesa, teremos um concerto dedicado a esse exato contemporâneo de Shakespeare que foi Estêvão Lopes-Morago, de quem ouviremos obras sacras em estreia moderna interpretadas pelo Officium Ensemble. A efeméride também é apropriada para recordar a princesa portuguesa que foi rainha de Inglaterra e por isso o Ludovice Ensemble faz-nos ouvir música portuguesa, inglesa e italiana da Capela de D. Catarina de Bragança, com diversas estreias modernas em Portugal.

Porque em 2016 se comemoram também os 400 anos da morte de Miguel de Cervantes (já assinalada o ano passado no Cistermúsica com Don Quijote de Richard Strauss), o conceituado The Orlando Consort faz o seu aguardado regresso a Alcobaça oferecendo-nos um programa que celebra Shakespeare em paralelo com Cervantes, juntando canções da época, escritas para as peças de ambos.

Pela orquestra de cordas Alma Mater, ouviremos a bela Suite para Cordas de Armando José Fernandes — que não é tocada há precisamente quatro décadas — e o arrebatador Concerto em Ré de Joly Braga Santos. E porque é indispensável disfrutar das obras mais conhecidas e apreciadas pelo grande público, no mesmo programa destacam-se — pela primeira vez no Cistermúsica — As Quatro Estações de Vivaldi, tocadas pela talentosa violinista Ana Pereira.

No maior mosteiro cisterciense de Portugal (e um dos maiores do mundo) o reportório sacro da Idade Média não pode deixar de estar presente. Por isso o Coro Gregoriano de Lisboa, sob a direção de Armando Possante, apresenta na Nave Central da Igreja de Santa Maria de Alcobaça música da Liturgia de São Tiago Maior, adotando pela primeira vez a disposição em se situava originalmente o cadeiral do coro dos monges.

A voz deslumbrante de Elena Kelessidi, a mais destacada soprano da Grécia (nascida no Cazaquistão), será ouvida num recital dedicado à melodia russa e com joias raras de Glinka, Dargominski, Rimski-Korsakov, Tchaikovski e Rubinstein, incluindo canções populares russas em versões do século XIX.

Grande interesse suscita o espetáculo criado em parceria pelo percussionista alcobacense Manuel Campos e a bailarina e coreógrafa norte americana Alia Kache (que fará uma residência artística durante o festival), num programa totalmente contemporâneo que, entre outras obras, estreará duas encomendas do festival aos compositores António Chagas Rosa e Dimitrius Andrikopoulos. Da programação de dança, é de salientar também o espetáculo Play False, de António Cabrita e São Castro, baseado em várias personagens criadas por Shakespeare.

Continuando a impulsionar jovens intérpretes, o festival acolhe este ano os dois grupos estrangeiros que venceram a mais recente edição do CIMCA, Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça”: o Duo Piaolin (piano e violino), da Coreia do Sul, num programa com Beethoven, César Franck e Saint-Saëns, e o duo de marimbas Face Two Phase, de Espanha, que tocará música das duas Américas. Destaque ainda para o recital de piano por Vasco Dantas, pianista virtuoso vencedor do Prémio de Interpretação do Estoril 2015, que incluirá obras de Beethoven, Listz, Ravel e Gershwin.

Contando com a programação paralela do Cistermúsica Júnior e Famílias que prossegue objetivos didáticos, por um lado, e do Cistermúsica Off, que promove laços entre a música e outras formas de expressão artística, por outro, o Festival de Música de Alcobaça prossegue o seu modelo cultural de serviço público, numa edição que pretende atrair um público cada vez mais vasto.

A programação de 2016 mantém assim a filosofia habitual no Cistermúsica de conjugar obras raras com outras bem conhecidas do grande público e dar destaque à música portuguesa antiga e recente. Mantém ainda a habitual estratégia de convidar reputados grupos e artistas estrangeiros, mas também de dar oportunidades aos melhores agrupamentos e intérpretes nacionais, bem como de acolher e incentivar jovens valores. Valorizar o Mosteiro de Alcobaça e contribuir para o turismo, levando a música a múltiplos espaços e freguesias do concelho e alargando parcerias com outros Mosteiros de Cister e com outros concelhos do país são, ano após ano, objetivos deste festival.

 

Alexandre Delgado e Rui Morais
Direção Artística do Cistermúsica